Em entrevista ao iG, Elyes Baccar discute situação do país e fala de “Rouge Parole”, documentário sobre a revolução que deu início à Primavera Árabe
A histórica revolta popular que pôs fim aos 23 anos do governo de Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia começou em 2010, em meio à economia fraca, alta taxa de desemprego e falta de oportunidades. O vídeo de um vendedor ateando fogo ao próprio corpo , em protesto contra o confisco de suas mercadorias por policiais, ganhou as redes sociais , chegou à emissora Al-Jazeera e, depois, ao noticiário internacional. Foi o estopim de um movimento conhecido como Primavera Árabe , que também depôs os líderes de Egito , Iêmen e Líbia , e segue em andamento na Síria.
A queda de Ben Ali, em janeiro de 2012, levou o tunisiano Elyes Baccar a abandonar o papel de cidadão que desempenhara durante a revolução e assumir o de cineasta. Sem tempo para captar recursos, ligou para alguns amigos, pegou sua câmera e saiu às ruas. Após duas semanas de filmagem sem qualquer tema em mente, percebeu uma linha comum em seus personagens.
"A população estava impressionada com o fato de poder se expressar - cantar, contar histórias, gritar", afirma, em entrevista por telefone ao iG . "Acontecia uma explosão de liberdade."

Manifestantes seguram bandeira da Tunísia durante revolta popular (janeiro/2011)
A liberdade se tornou o fio condutor do documentário "Rouge Parole", principal destaque da mostra "África Hoje" , que acontece até 2 de junho em São Paulo. Eleito um dos 12 melhores documentários do ano passado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o longa filmado entre janeiro e março de 2011 capta o momento imediatamente posterior à queda de Ben Ali, quando a euforia da população era tão grande quanto as incertezas em relação ao futuro.
A demora de um ano para entrar em cartaz preocupou Baccar, que temia parecer atrasado diante de tantas mudanças que aconteceram no período, incluindo a histórica eleição que formou um governo de coalizão liderado por islamistas. A resposta do público, porém, foi favorável.
Leia também: Dois anos depois, transições difíceis ameaçam futuro da Primavera Árabe
“As pessoas gostaram não apenas do ponto de vista artístico e cinematográfico, mas porque (o filme) trouxe de volta lembranças frescas sobre o alvo da revolução e porque nós a fizemos”, afirma o cineasta. “Para o público, e para mim também, assisir ‘Rouge Parole’ é confuso, emocionante e deprimente, pois dá a sensação de que a revolução se perdeu.”

O tunisiano Elyes Baccar, diretor de 'Rouge Parole'
Dois anos depois da queda de Ben Ali , grande parte da população tunisiana segue insatisfeita com o desempenho econômico do país de 10 milhões de habitantes, que cresceu 2,7% em 2012 e tem taxa de desemprego de 17,6%. Além disso, a violência aumentou e a prometida Constituição não saiu do papel.
“As pessoas ainda têm esperança, mas estão deprimidas, preocupadas e com medo do que vai acontecer. O governo falhou completamente na missão de levar o país para o caminho certo”, opina Baccar.
Um dos problemas mais graves é a crescente atuação de grupos salafistas, como são conhecidos os sunitas fundamentalistas que acreditam ser os únicos a interpretar de forma correta o Alcorão. Entre os diversos atos de intimidação à população está um ataque com barra de ferro ao cineasta Nouri Bouzid, por ter defendido uma Constituição secular.
Baccar, porém, considera que a liberdade de expressão é de fato um sucesso da revolução, graças à atuação da sociedade civil. "Ninguém consegue fechar sua boca. Você pode ser intimidado, mas alguém gritará muito alto", diz.
Segundo Baccar, a classe cinematográfica ainda tem forte dependência em relação ao governo: são lançados de 3 a 8 filmes por ano, quase sempre autorais, financiados com dinheiro público e sem perspectiva de lucro. "Rouge Parole" é o primeiro documentário que ele filma na Tunísia, após ter trabalhado em países como Paquistão, Índia e Egito. "Temos quatro cursos de cinema agora, e uma ótima nova geração de cineastas", comemora.
Durante as filmagens, Baccar teve de explicar repetidas vezes aos entrevistados conceitos como "cineasta independente" e "documentário", além de garantir que não trabalhava na televisão. "Todos me perguntavam de que canal eu era, porque ninguém confiava na imprensa", afirma o diretor, que viajou pelo país no momento em que protestos, choques entre policiais e manifestantes e sequestros ainda aconteciam. "Foi bastante estressante."
Divulgação
Imagem do filme 'Rouge Parole'
Após levar "Rouge Parole" a eventos internacionais, Baccar decidiu criar a Actif (Associação Cultural Tunisiana por Inserção e Formação), que em dezembro do ano passado promoveu o festival de direitos humanos Human Screen - primeiro do gênero na Tunísia e segundo no mundo árabe. Foram exibidos 38 filmes e a nova edição está marcada para setembro.
"Acreditamos que não existe transição democrática sem transição cultural. Estamos usando os filmes para mostrar novos valores, como liberdade de expressão e diversidade", diz Baccar sobre o festival, que contou com apoio do Ministério da Cultura, considerado um dos mais liberais do governo. "Queríamos envolvê-los para mostrar que nossa intenção é colaborar. Se o Ministério ficar com os extremistas, veiculará cultura extremista e matará a democracia."
A participação do Ministério dos Direitos Humanos, tido como mais radical, foi vetada. “Você não pode torturar e colocar pessoas na cadeia e depois ter um Ministério dos Direitos Humanos. Não faz sentido.”
Para Baccar, o fato de a Tunísia ter estado na vanguarda da Primavera Árabe - foi o primeiro país a protestar, a derrubar o governo e a realizar eleições - faz com que a pressão seja enorme.
"Nosso processo democrático é do interesse de toda a região. Se a Tunísia foi bem-sucedida, haverá esperança para todos. Para aqueles que não querem a democracia no mundo árabe, é preciso que ela fracasse - e morra - aqui."
Mostra África Hoje
Data: 21 de maio a 2 de junho
Local: Caixa Cultural São Paulo – Praça da Sé, 111, 6° andar
Sessões: de terça a domingo, horários variados
Entrada: gratuita
Programação completa: www.mostraafricahoje.blogspot.com.br
A liberdade se tornou o fio condutor do documentário "Rouge Parole", principal destaque da mostra "África Hoje" , que acontece até 2 de junho em São Paulo. Eleito um dos 12 melhores documentários do ano passado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o longa filmado entre janeiro e março de 2011 capta o momento imediatamente posterior à queda de Ben Ali, quando a euforia da população era tão grande quanto as incertezas em relação ao futuro.
A demora de um ano para entrar em cartaz preocupou Baccar, que temia parecer atrasado diante de tantas mudanças que aconteceram no período, incluindo a histórica eleição que formou um governo de coalizão liderado por islamistas. A resposta do público, porém, foi favorável.
Leia também: Dois anos depois, transições difíceis ameaçam futuro da Primavera Árabe
“As pessoas gostaram não apenas do ponto de vista artístico e cinematográfico, mas porque (o filme) trouxe de volta lembranças frescas sobre o alvo da revolução e porque nós a fizemos”, afirma o cineasta. “Para o público, e para mim também, assisir ‘Rouge Parole’ é confuso, emocionante e deprimente, pois dá a sensação de que a revolução se perdeu.”

O tunisiano Elyes Baccar, diretor de 'Rouge Parole'
Dois anos depois da queda de Ben Ali , grande parte da população tunisiana segue insatisfeita com o desempenho econômico do país de 10 milhões de habitantes, que cresceu 2,7% em 2012 e tem taxa de desemprego de 17,6%. Além disso, a violência aumentou e a prometida Constituição não saiu do papel.
“As pessoas ainda têm esperança, mas estão deprimidas, preocupadas e com medo do que vai acontecer. O governo falhou completamente na missão de levar o país para o caminho certo”, opina Baccar.
Um dos problemas mais graves é a crescente atuação de grupos salafistas, como são conhecidos os sunitas fundamentalistas que acreditam ser os únicos a interpretar de forma correta o Alcorão. Entre os diversos atos de intimidação à população está um ataque com barra de ferro ao cineasta Nouri Bouzid, por ter defendido uma Constituição secular.
Baccar, porém, considera que a liberdade de expressão é de fato um sucesso da revolução, graças à atuação da sociedade civil. "Ninguém consegue fechar sua boca. Você pode ser intimidado, mas alguém gritará muito alto", diz.
Segundo Baccar, a classe cinematográfica ainda tem forte dependência em relação ao governo: são lançados de 3 a 8 filmes por ano, quase sempre autorais, financiados com dinheiro público e sem perspectiva de lucro. "Rouge Parole" é o primeiro documentário que ele filma na Tunísia, após ter trabalhado em países como Paquistão, Índia e Egito. "Temos quatro cursos de cinema agora, e uma ótima nova geração de cineastas", comemora.
Durante as filmagens, Baccar teve de explicar repetidas vezes aos entrevistados conceitos como "cineasta independente" e "documentário", além de garantir que não trabalhava na televisão. "Todos me perguntavam de que canal eu era, porque ninguém confiava na imprensa", afirma o diretor, que viajou pelo país no momento em que protestos, choques entre policiais e manifestantes e sequestros ainda aconteciam. "Foi bastante estressante."

Imagem do filme 'Rouge Parole'
Após levar "Rouge Parole" a eventos internacionais, Baccar decidiu criar a Actif (Associação Cultural Tunisiana por Inserção e Formação), que em dezembro do ano passado promoveu o festival de direitos humanos Human Screen - primeiro do gênero na Tunísia e segundo no mundo árabe. Foram exibidos 38 filmes e a nova edição está marcada para setembro.
"Acreditamos que não existe transição democrática sem transição cultural. Estamos usando os filmes para mostrar novos valores, como liberdade de expressão e diversidade", diz Baccar sobre o festival, que contou com apoio do Ministério da Cultura, considerado um dos mais liberais do governo. "Queríamos envolvê-los para mostrar que nossa intenção é colaborar. Se o Ministério ficar com os extremistas, veiculará cultura extremista e matará a democracia."
A participação do Ministério dos Direitos Humanos, tido como mais radical, foi vetada. “Você não pode torturar e colocar pessoas na cadeia e depois ter um Ministério dos Direitos Humanos. Não faz sentido.”
Para Baccar, o fato de a Tunísia ter estado na vanguarda da Primavera Árabe - foi o primeiro país a protestar, a derrubar o governo e a realizar eleições - faz com que a pressão seja enorme.
"Nosso processo democrático é do interesse de toda a região. Se a Tunísia foi bem-sucedida, haverá esperança para todos. Para aqueles que não querem a democracia no mundo árabe, é preciso que ela fracasse - e morra - aqui."
Mostra África Hoje
Data: 21 de maio a 2 de junho
Local: Caixa Cultural São Paulo – Praça da Sé, 111, 6° andar
Sessões: de terça a domingo, horários variados
Entrada: gratuita
Programação completa: www.mostraafricahoje.blogspot.com.br
fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br/
Para saber mais sobre Curso de Captação de Recursos acesse cursosraizesculturais.com.br
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