sexta-feira, 22 de maio de 2015

O EMPREENDEDOR QUE FOI DO MEL NORUEGUÊS À PICANHA MÓVEL


O NORUEGUÊS TORE HAUGLAND PRECISOU DE MUITA PERSEVERANÇA PARA COMEÇAR UM NEGÓCIO DO ZERO NO BRASIL


Durante esta semana, a Ares do Norte publicará diariamente matérias que constituem um especial sobre a Noruega em homenagem ao 17 de maio, Dia Nacional do país.
TORE HAUGLAND (FOTO: ARQUIVO PESSOAL)

Se você quer empreender, é empreendedor ou investidor, gosta do universo de startups, inovação e novos mercados, precisa ler até o fim o relato impressionante de perseverança e foco de Tore Haugland, norueguês que reside em São Paulo e é CEO efundador da Ouvi.

Aliás, essa palavra, perseverança, é constante no vocabulário norueguês. Quando falamos em noruegueses empreendendo no Brasil muitas pessoas pensam “é fácil falar quando você vem do país mais bem sucedido do mundo em que o (embora não oficial) salário mínimo é algo em torno de R$ 12 mil, a moeda deles vale muito mais que a nossa aqui, é possível guardar lá e perfeitamente ter muito dinheiro aqui.”

Esses discursos que beiram o senso comum se quebram quando você lê um depoimento como o de Tore. Quando recebi as respostas da entrevista com ele fiquei voltando à parte em que relata como aprendia português enquanto estava literalmente às voltas com abelhas em uma fazenda no verão norueguês. Me encantou particularmente a palavra “discman” e não mp3.

Como hoje a Ares do Norte fala de negócios, empreendedorismo e inovação, não posso deixar de comentar que uma das coisas que mais devemos nos inspirar com a cultura norueguesa é a simplicidade e forma fácil de fazer as coisas. Tore mostra que não precisou de grandes tecnologias, escolas sofisticadas e professores particulares para aprender um idioma. Ele foi autodidata e aprendia nos momentos mais inusitados com seu livro e discman.

Você lerá a seguir várias informações com números, palavras do meio dos negócios e dados que Tore cita, mas para apresentar esse jovem empreendedor que está colhendo os frutos do que plantou gostaria de relembrar mais uma vez por que todos os noruegueses quando pequenos ouvem de seus pais na hora de dormir uma fábula chamada “a leste do sol e a oeste da lua”.

Essa fábula é sobre uma menina, um urso polar, um príncipe troll, ventos e caminhos impossíveis de chegar . Fala de obstáculos e perseverança, muita perseverança para que no fim você encontre um caminho que fica entre o sol e a lua e que chegue onde você quer. Abaixo você pode constatar porque Tore deve ter ouvido bastante de seus pais essa fábula quando criança.

----

Howard Schultz, fundador e CEO da Starbucks, lançou em 1999 o livro “Pour Your Heart Into It: How Starbucks Built a Company One Cup of a Time”, que conta como Schultz construiu a maior rede de cafeterias do mundo. Uma leitura inspiradora e recomendada para qualquer pessoa que queira empreender. Foi depois de ler este livro, em 2003, que me mudei para o país do café, o Brasil, não para montar uma empresa de café, mas num outro ramo onde a Starbucks também é campeã: o marketing e varejo móvel.

Era fevereiro de 2003 e eu tinha acabado de voltar da Austrália, onde morei dois anos na praia fazendo um MBA na Bond University. O curso tinha um foco em empreendedorismo e eu, com 27 anos na época, achei interessante a ideia de montar uma empresa. Cresci numa fazenda orgânica na Noruega, onde desde pequeno o meu pai tinha me mostrado como é bom ser o seu próprio chefe, desde que você aguente os riscos que vem junto.

Ser fazendeiro na Noruega, onde você tem no máximo cinco meses para plantar e colher os produtos que vão te sustentar o resto do ano, eu não sei, mas para mim é quase um jogo de azar.

Na Bond eu fiz amigos do mundo inteiro, incluindo uma namorada brasileira, então, resolvi dar um pulo no Brasil para estudar as possibilidades de montar o meu negócio ali, além de escapar do frio da Noruega, que em fevereiro facilmente chega a 20 graus negativos. Aos jovens que sonham em se tornar o próximo Mark Zuckerberg, um conselho: antes de escolher um país para empreender, consulte primeiro o projeto Doing Business do Banco Mundial, que proporciona medidas objetivas dos regulamentos para fazer negócios e a sua implementação em 189 países.

Pois assim como o esporte radical, há também, pela minha experiência, o empreendedorismo radical.

Você sabe que você está praticando este tipo de empreendedorismo quando percebe que saiu de um país que, segundo o Página 2 de 52 relatório do Desenvolvimento Humano da ONU, é o melhor país para viver; o PIB per capita é US$100.000; tem zero de corrupção; 6º no ranking do Banco Mundial; tem um mercado maduro, onde você conhece a cultura e a língua mas, em vez de montar a sua empresa lá, você decide ir para um país no outro lado do mundo que tem uma população 40 vezes maior, com uma cultura totalmente oposta àquela que você conhece, aliás, várias culturas diferentes dentro do mesmo pais; o PIB per capita é US$10.000; você não entende uma palavra da língua falada; a corrupção faz parte do dia a dia e até tem uma “Lei” com o nome de um jogador de futebol famoso, o Gerson; o mercado em que você quer entrar ainda não existe; e por final, no ranking do Banco Mundial, consta com três dígitos, 120.

Ou seja, para ser um empreendedor radical você tem que incorporar o famoso ditado do Walt Disney – “eu gosto do impossível porque lá a concorrência é menor”.

Bom, eu fui. Passei três meses em São Paulo, o tempo que dá para ficar com visto de turista, o que bastou para confirmar que havia, ou haveria, uma oportunidade no mercado de conteúdo para celulares.

Voltei para Noruega, onde o verão já tinha chegado e fiquei ajudando o meu pai na fazenda, limpando a granja dos frangos e produzindo mel. Com uma plateia de abelhas eu estava escutando e repetindo as frases de um curso de português no meu Diskman, aproveitando o trabalho monótono para aprender a língua do Brasil.

Com o dinheiro que faturei produzindo o mel, consegui comprar a passagem para voltar ao Brasil e começar a fazer pesquisas de mercado e, além da minha então já ex- namorada, consegui convencer três amigos noruegueses para serem sócios e começamos a montar o plano de negócios.

Outro conselho para o empreendedor: não gaste seu tempo escrevendo um, isto é coisa de velho. Hoje em dia é só ler o “Lean Startup” do Eric Ries e seguir a metodologia do Alexander Osterwalder no seu “Business Model Canvas”. Página 3 de 53 Conseguimos investidores na Noruega e lançamos a Ouvi em dezembro de 2004, sendo um dos pioneiros no mercado brasileiro de mobile commerce com venda de conteúdos como toques e depois jogos para celulares.

De lá para cá houve muitos altos e baixos como em qualquer startup. Em 2007, com investimento da Telenor e a plataforma e conhecimento da Ouvi participamos na criação de mais uma nova indústria no Brasil, a do marketing móvel. E, antes de a crise financeira bater em nossa porta em 2009, tínhamos entregue campanhas para grandes anunciantes como Petrobras, Renault, Nestle, Cyrela e muitos outros.

Infelizmente, com o agravamento da crise financeira meus sócios noruegueses precisaram deixar a vida de empreendedor e voltaram para Noruega em 2010. Mas, conhecendo o ditado que é em momentos de crise que surgem as melhores oportunidades, eu optei para ficar.
 
JANAINA E TORE (FOTO: ARQUIVO PESSOAL)

Vendi o meu apartamento e junto com a Janaina Camargo, que se tornou de primeira funcionária à sócia da empresa, e o Eivind Hognestad, sócio e CTO que tinha voltado para Noruega, fizemos um pivot - conceito criado por Eric Ries que significa mudar de abordagem o mais rápido possível em direção a uma nova estratégia, sem que isso implique uma mudança de visão. Com os três trabalhando sem receber salários, fazendo malabarismo com vários cartões de crédito e administrando o dinheiro do meu antigo teto (bootstrapping) conseguimos desenvolver a solução de cupons móveis, que lançamos primeiro junto com a Telenor, na Noruega no final de 2010 e em seguida no Brasil, onde a solução foi premiada e destacada no Espaço Inovação do CIAB Febraban 2011.

Quando a Starbucks, que já se relacionava há anos com os seus consumidores através da mídia móvel, lançou, no começo de 2011 nos Estados Unidos o seu Starbucks Card Mobile usando a mesma tecnologia do nosso sistema de cupons, nós sabíamos que estávamos no caminho certo.

Depois disso a Ouvi se tornou uma empresa 100% focada no varejo móvel e grandes varejistas como a Página 4 de 54 Riachuelo, Chilli Beans e o gigante grupo de pecuária, a JBS, com as suas lojas Swift, estão usando a nossa tecnologia tornando todos os seus canais de mídia interativos, levando mais clientes para as lojas e obtendo taxas de conversões de até 30%.

Agora, para quem chegou até aqui e ainda está lendo, qual é o moral desta história?

Perseverança. Para empreender em um país como o Brasil, que é menos favorável ao empreendedorismo, é preciso uma dose grande de perseverança e poder contar com pessoas que também tem um alto grau disto, porque tudo vai demorar mais do que você estimou e muitas vezes você vai precisar “pivotar” durante o caminho, sem poder perder a motivação e sem desistir.

Felizmente, ficou mais fácil administrar a perseverança agora que a demanda dos nossos serviços está aumentando todo mês. A crise econômica também ajuda pois exige que o varejista inove e use soluções como o cupom móvel que consegue até medir qual canal de mídia dá mais resultado. Também ajuda na motivação saber que a empresa pública com o maior valor de mercado, que está chegando à beira do US$1 trilhão, é uma empresa de smartphones, a Apple.

Até as três maiores empresas privadas estão todas focadas em tecnologia para celular, como Uber, aplicativo que conecta passageiros e motoristas (US$50 bilhões), Xiaomi, empresa chinesa e terceira maior fabricante de smartphones (US$45 bilhões), e Snapchat, aplicativo de mensagens (US$15 bilhões).

Pode ser difícil tangibilizar números tão grandes, mas como referência, quando o Uber no começo de maio divulgou que ia captar mais recursos e o seu valor atingiu US$50 bilhões, no mesmo dia o valor de mercado da Petrobras foi US$63 bilhões. Ou seja, um app que tem somente seis anos de vida vale quase o mesmo de uma multinacional sessentona de petróleo.

Todos os varejistas que a Ouvi tem prospectado estão reconhecendo a Página 5 de 55 necessidade de se adaptar aos seus consumidores SoLoMo (social, local e móvel) e, segundo estimativa da empresa de pesquisa Juniper Research, em 2019 haverá 1 bilhão de usuários de cupons móveis pelo mundo, ou seja, daqui a pouco teremos 29 milhões brasileiros escolhendo onde vão gastar a sua renda baseado nos cupons móveis oferecidos.

Porém, qualquer mudança de paradigma é lenta. As empresas são diferentes e temos que respeitar o ciclo de adoção da inovação de cada uma. Quem já está usando, percebe que o investimento é baixo e os resultados imediatos. Nas próximas semanas, temos vários lançamentos agendados e muito trabalho pela frente. Então, se foi o mel norueguês que me trouxe para o Brasil, agora com equipes no Brasil, México e Noruega, é a picanha brasileira e os cupons móveis de empresas inovadoras como a JBS que estão nos levando ao mundo. Perseverança vale a pena.

Nenhum comentário:

Postar um comentário